Com provável contágio sexual nos EUA, zika exige ‘prevenção máxima’, diz infectologista

“Não podemos aguardar um corpo robusto de dados para prevenir as pessoas. A prevenção máxima é o melhor caminho agora”, diz a infectologista Nancy Bellei, coordenadora do comitê de virologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) sobre o potencial caso de transmissão sexual de zika vírus nos Estados Unidos anunciado recentemente.

Registrado no Texas, na clínica Dallas County Health and Human Services, o caso deve levantar novos alertas sobre a epidemia de zika ao redor do mundo, por mencionar a contaminação por sêmen e até mesmo pela saliva.

Em entrevista à BBC, a vice-diretora do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano), Anne Schuchat, disse que “o laboratório do CDC confirmou o primeiro caso de zika vírus em um não-viajante. Nós não acreditamos que o contágio tenha ocorrido por meio de picadas de mosquito, mas sim por contato sexual”.

Questionada sobre a confirmação, Schuchat explicou que até o momento não há outras formas plausíveis que possam dar conta da transmissão neste caso, já que uma pessoa esteve na Venezuela, voltou aos EUA, apresentou sintomas de zika, e teve contato sexual com o parceiro.

Esta pessoa foi testada positiva para zika, assim como o parceiro, que não esteve em regiões onde a epidemia está ativa. Além disso, não há infestação do Aedes aegypti (mosquito transmissor do vírus da dengue, zika e chikungunya) na região de Dallas.

“As evidências que nós temos neste momento apontam para isso”, reforçou Schuchat ao ser questionada sobre o contágio sexual.

A vice-diretora do CDC mencionou o caso citado na literatura, que teria documentado em 2011 um cientista americano vindo do Senegal, que passava por um surto de zika, e que teria transmitido a doença para a mulher, nos EUA, que não havia estado em regiões infectadas e não vivia numa cidade com presença do Aedes aegypti.

“Havia este caso citado na literatura anterior, sobre a possibilidade de transmissão sexual, e portanto de certa forma isto não foi surpresa. Nós vamos atualizar nossas orientações logo sobre as consequências deste evento”, diz.

A BBC Brasil ligou diversas vezes para o Dallas County Health and Human Services, mas as chamadas não foram atendidas.

‘Prevenção máxima’

Para a infectologista Nancy Bellei, da SBI, o caso mostra que neste momento é necessário adotar a “prevenção máxima”, até que se saiba mais sobre o zika.

“Quando você não tem muita clareza e informação sobre uma epidemia como essa, se reduz a tolerância e se eleva o estágio de alerta e prevenção. Uma vez que já se sabe mais e se tem mais domínio sobre o comportamento do vírus, abaixa-se a guarda. Não o contrário”, avalia.

Embora ainda não haja comprovação científica, acredita-se que o zika vírus esteja relacionado aos casos de microcefalia no Brasil, que, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 2 de fevereiro, já somam 404 casos confirmados, sendo 17 ligados ao zika.

Outros 709 casos suspeitos de microcefalia foram descartados e 3.670 continuam sendo investigados.

Sêmen, saliva e prevenção

Bellei diz que do ponto de vista microbiológico, a confirmação total deste caso seria possível ao coletar uma amostra de sêmen do viajante que esteve na Venezuela e inocular o vírus.

“Ao identificar o vírus no sêmen desta pessoa, inoculá-lo e demonstrar que ele está viável, ou seja, que se replica e pode ser transmitido, teríamos a total confirmação. Mas os elementos atuais descritos mostram que é muito difícil que o parceiro ou parceira tenha sido contaminado de outra forma, num local sem o mosquito e durante o inverno”, avalia.

Em entrevista à BBC, Robert Lanciotti, pesquisador do CDC que testou as duas amostras do casal do Texas, disse que era cedo para afirmar que houve transmissão sexual neste caso, mas levantou uma outra hipótese, a do contágio pela saliva.

“O vírus pode ter sido transmitido pela saliva. As informações que nós temos são de que o vírus está presente na saliva. O vírus está na saliva e está no sêmen”, diz o pesquisador, acrescentando que os dados “mostram que ele está na saliva em concentração maior, o que é um fato”.

A infectologista da SBI também confirmou as informações do americano, mas ressaltou que até o momento os cientistas não sabem quanto tempo o vírus fica presente no sêmen, na saliva e até na urina.

“Do ponto de vista da transmissão, saber que o vírus pode ser transmitido pela saliva é muito mais preocupante. E até que se prove o contrário, tudo indica neste caso que o contágio ocorreu pelo sêmen ou pela saliva”, avalia.

Para ela, o CDC está correto em incorporar, conforme anunciado, nos próximos dias, os cuidados com a potencial transmissão sexual do zika em suas recomendações. “O momento agora é realmente de aumentar todos os alertas e o nível da prevenção”, diz Bellei.

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